Carlos Augusto Müller
Diretor de Relações Internacionais do Sindmar
Para um número razoável de oficiais e eletricistas que se encontram embarcados ou envolvidos em outras atividades profissionais similares à vida de bordo é possível que o Sindicato esteja sendo notado como algo distante que os alcança periodicamente por meio desta revista, pelas postagens do SINDMAR na internet, ou ainda pelas visitas realizadas a bordo por seus diretores e delegados regionais, mas cuja real dimensão quanto à importância de sua atuação em defesa dos interesses dos marítimos brasileiros não é devidamente compreendida.
É fato que normalmente não encontramos tempo a bordo para fazer tudo o que gostaríamos. As atividades de rotina da embarcação, o serviço de quarto, manobras, burocracia e outras demandas imprevisíveis, como reparos ou alterações de programação, acabam gerando horas trabalhadas cujo impacto físico e psicológico nem sempre fica refletido nas planilhas de controle da companhia, mas que pesam sobre os nossos ombros, podem gerar fadiga e muitas vezes nos impedem de dedicar tempo para o nosso próprio interesse e até mesmo de avaliar com profundidade questões que são também importantes para nós, mas que necessitariam dedicação de tempo que normalmente não dispomos para análises em busca de uma adequada compreensão.
Digo isso porque presenciei essa realidade até outro dia. Dediquei mais da metade da minha vida à atividade marítima embarcado e tentei, da mesma forma que a grande maioria dos marítimos brasileiros, fazer o melhor como profissional enfrentando as dificuldades que todos sabem que existem na nossa profissão. Por outro lado, também tenho que registrar que a minha contribuição efetiva para conquistas coletivas enquanto estive embarcado provavelmente tenha se limitado, durante a maior parte desse tempo, ao pagamento da minha contribuição mensal como associado do sindicato desde Praticante e nesse ponto é que desejo focar a minha análise neste momento. A nossa atuação profissional em um ambiente altamente competitivo, a formação subsidiada pela Marinha e depois o temor de represálias por parte do nosso empregador possivelmente não contribuem para que tenhamos uma visão menos individualista e mais voltada para o que é de interesse coletivo da nossa classe.
Hoje, a posição que ocupo na Organização Sindical me permite uma visão mais abrangente da atuação do Sindmar e posso afirmar que vai muito além de negociar acordos coletivos de trabalho que geralmente são percebidos com mais facilidade quando estamos a bordo. Cabe comentar que nenhuma empresa é obrigada a assinar acordo coletivo de trabalho. Estes acordos só existem como resultado da atuação e da força que a nossa Organização Sindical possui. Além desse instrumento mais evidente, há várias outras questões em que o nosso Sindicato atua no nosso próprio país e no exterior, também junto a organizações e entidades, que tem trazido alguma forma de proteção para os nossos postos de trabalho e benefícios coletivos que são de grande importância para a nossa existência como classe trabalhadora nos mares territoriais brasileiros, muito mais do que a negociação periódica de salários e os benefícios da nossa relação de trabalho.
Tenho claro hoje, que aqueles que ocupam posições de maior hierarquia a bordo dos navios necessitam usar sua posição privilegiada e fazer um esforço no sentido de enxergar mais longe, para ter uma visão do todo, de forma a obter um quadro mais completo da nossa Marinha Mercante e das ameaças que a rondam. O Sindicato pode ajudar nisso. É preciso elevar um pouco mais o olhar, para além das balaustradas e bordas falsas que cercam os nossos navios e considerar que o Sindicato trabalha dentro de um ambiente que não conseguimos alcançar quando estamos a bordo. A visão que o Sindicato expõe é resultado de análises muito mais complexas e de grande envolvimento com as questões que podem interferir em assuntos do nosso interesse. A Organização Sindical conhece não apenas a empresa em que cada um trabalha, mas o universo que abrange a Marinha Mercante, alcançando praticamente todas as empresas de navegação que atuam no Brasil, as autoridades, agências reguladoras e órgãos de governo e de poder que regulam ou interferem em nossas atividades, bem como outras organizações e entidades no Brasil e no exterior. É preciso compreender que enquanto estamos a bordo tentando resolver as questões afeitas diretamente no nosso navio, como a preocupação em opera-lo da melhor forma possível, cumprir a programação, atingir a performance e obter os melhores resultados, o Sindicato tem acesso a uma quantidade bem maior e confiável de informações e sua atuação permite antecipar problemas bem mais complexos, que ainda podem estar latentes e cujo alcance nem mesmo conseguimos notar enquanto realizamos nosso trabalho a bordo.
A história de evolução das condições de emprego dos marítimos demonstra claramente que nada nos foi oferecido gratuitamente pelas empresas ou pelos governos, quaisquer que sejam eles. Nenhum armador nos procurou para perguntar se gostaríamos de passar mais tempo em terra com as nossas famílias ou se desejaríamos ter aumentos de salário superiores aos índices de inflação. Sempre que tivemos algum tipo de ganho representativo foi por que tivemos na linha de frente o nosso Sindicato em condição de enfrentar a força e a vontade do nosso empregador de uma forma que não poderíamos fazer sozinhos. Historicamente, sempre fomos convidados pela armação a participar da divisão dos prejuízos ou da redução dos lucros, quando isso ocorreu. As conquistas verdadeiras e importantes para os trabalhadores marítimos sempre ocorreram em meio a forte pressão e ameaças dos armadores e em algumas ocasiões com greves.
Particularmente para os principais de bordo, é importante compreender que no futuro só haverá comandantes, chefes de máquinas e imediatos brasileiros em quantidade representativa, se houver também tripulações brasileiras, que são constituídas de oficiais, subalternos e de guarnição. Olhar para o nosso próprio umbigo e atender as vontades do armador quando se trata da nossa relação de emprego pode ser uma decisão confortável para o comando no curto prazo, na medida em que evita situações difíceis para o comando, mas isso não nos ajudará a ter sucesso no objetivo de manter e ampliar a quantidade de postos de trabalho nos próximos anos, inclusive os postos de trabalho para comandantes e chefes de máquinas. O mercado de trabalho na bandeira de conveniência não tem se mostrado muito favorável para os principais de bordo com nacionalidade brasileira.
É importante considerar que a muito tempo já não estamos mais vivendo a realidade das décadas de 1960/1970 em que um governo forte abraçou o setor marítimo brasileiro como estratégico para a nação e nos deu condições favoráveis para existir. Tampouco estamos vivendo nos anos de 1980/1990 quando havia proteção constitucional para existência de Marinha Mercante na bandeira brasileira. Nessa mesmo linha de pensamento, resta evidente que as ações dos governos e dos políticos brasileiros em geral não tem sido guiadas por nacionalismo ou por planejamento estratégico de longo prazo.
Por outro lado, não devemos desprezar o petróleo do pré-sal, que não deixou de existir nos mares do Brasil em função do momento atual por que passamos. Essa riqueza seguramente será explorada de forma intensa nos próximos anos e todos nós sabemos que esse óleo não chegará aos portos, aos terminais e às refinarias sem que haja navios petroleiros e embarcações offshore. Na realidade atual, para que tenhamos chance de continuar usufruindo dos empregos e benefícios que este rico setor pode oferecer a quem trabalha em nossos mares, não devemos esperar que muitas oportunidades sejam oferecidas pelo governo, por políticos ou pelas empresas. Devemos lutar para garantir o nosso acesso a estes empregos. Para isso é necessário fortalecer e apoiar a Organização Sindical Marítima Brasileira.
O Sindmar possui hoje uma estrutura robusta com sua sede e delegacias regionais nos 12 portos em que atuamos de forma permanente ao longo da costa brasileira. Isso permitiu ao longo dos últimos meses, durante negociações de ACT com a Petrobras/Transpetro, que fizéssemos mais de 250 reuniões com representados em 16 portos diferentes, alcançando mais de 3.500 marítimos participantes. É muito importante notar que essa atuação envolve gastos e depende da existência de espírito solidário e a efetiva participação dos marítimos como associados nos Sindicatos que os representam. As despesas realizadas para essa mobilização dos marítimos, em que, pela primeira vez, conseguimos com que a Transpetro reconhecesse a necessidade de implantação do regime de trabalho 1×1 como já praticado nas demais empresas da cabotagem e off-shore brasileiros, teve até aqui um custo que já chega perto dos R$ 300 mil no âmbito de Sindicato, Federação e Confederação ao longo de mais de seis meses.
Críticas são bem vindas e nos ajudam a melhorar, mas apenas críticas não mudam a nossa realidade. O Sindicato necessita da ajuda daqueles que representa para conseguir alcançar conquistas relevantes. Os músculos que podem fazer o corpo se mover encontram-se principalmente a bordo. Podemos obter resultados muito mais significativos e até mesmo engrandecedores para os marítimos brasileiros coletivamente, mas isso depende de termos a capacidade de desenvolver entre nós uma visão e comportamento mais focados no interesse coletivo e com mais participação, seja o nosso trabalho realizado a bordo ou em terra, buscando seguir a orientação do Sindicato. O êxito e sobrevivência coletiva dos marítimos brasileiros ao longo do tempo, nos próximos anos, dependem grandemente desse entendimento.Fonte de artigo: Revista Unificar Especial nº 44
Autor:Carlos Augusto Müller
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