Severino Almeida Filho
Presidente da Conttmaf e do Sindmar
Como é de amplo conhecimento, o governo Collor, logo em seus primeiros dias, em 1990, enterrou qualquer esperança de futuro para o nosso transporte marítimo nacional com a edição das portarias 7, 8, 9 e 10 do Ministério dos Transportes. Cinco anos depois, sem que houvesse sido criada qualquer política que possibilitasse à bandeira brasileira sobreviver ao desaparecimento das conferências de fretes e à prática nefasta das bandeiras de conveniência, a revisão constitucional implementada abria as portas para a facilitação da entrada de empresas internacionais para operarem o nosso transporte, inclusive doméstico.
Como consequência, há mais de dez anos os nossos empregadores são, em sua esmagadora maioria, estrangeiros instalados em solo brasileiro com suas empresas de navegação. Junte-se a isto a continuidade da política de concentração no setor em poucas, mas gigantescas, transportadoras, e temos um horizonte que nos aponta claramente uma navegação em direção ao olho do furacão. Referimo-nos à permanência de nossa bandeira nas águas e, consequentemente, de nossos empregos, tendo em vista que tais armadores preferem a utilização de marítimos que aceitam condições de trabalho que seriam impossíveis de serem suportadas por brasileiros, considerando o custo de vida em nossa sociedade. Há pelo menos duas décadas, estes armadores fazem vultosos investimentos em políticas de formação de mão de obra mais barata e evidentemente buscarão, como já buscam, nos substituir por eles.
Diante deste quadro, é facilmente perceptível o quanto de problema nos será oferecido com o anunciado interesse da venda da Transpetro. Da maneira que for, fatiando-a ou não. Como se não bastasse o absurdo que é vender uma subsidiária estratégica e lucrativa no interior do Sistema Petrobras, em período de desvalorização de seus ativos, oferece-se a oportunidade de grupos estrangeiros virem a controlar o nosso transporte altamente estratégico de petróleo e seus derivados. De fato, se eles já exercem grande influência, indiretamente, com a disposição incompreensível da Petrobras pela opção do afretamento desvairado, imaginem agora o que teremos de pagar pelo transporte de nosso petróleo sem referências domésticas. Até então, durante anos a fio, os bilhões de dólares americanos envolvidos nos contratos de afretamento foram objeto de utilização indevida segundo investigações havidas. Complicando este cenário, existe agora a constatação explícita de irregularidades por conta de delação premiada de vários investigados, incluindo o ex-presidente da subsidiária, o ex-senador Sérgio Machado, e familiares.
Não é necessário ser gênio para perceber que os preços receberão o estímulo ao aumento, como contribuição pela estupidez promovida pela administração da companhia, com evidente irresponsabilidade do seu acionista majoritário, representado pelo governo brasileiro. Teremos oportunidade de voltar a esta questão em edição especial de nossa revista, focando na Transpetro e em nossos problemas com ela. Nesta edição, damos destaque ao chamado caso Valemax, cuja leitura deve ser obrigatória para todos nós e é altamente recomendável para aqueles que têm entre suas atribuições o pensar a política para o nosso setor e, principalmente, a competência e a responsabilidade de implementá-la.
Adicionalmente ao fenômeno da concentração mundial em poucas, mas gigantescas, empresas de navegação, deve-se observar a criação de alianças entre elas, cujo crescimento nos parece ser inquestionável e nos traz, entre outras consequências, a consolidação do deslocamento de influências no setor, também com origem na Ásia, e não mais concentradas na Europa. Não passou despercebido ao mercado o movimento da parte marítima do gigantesco grupo coreano Hyundai em assumir seu interesse em participar do “THE Alliance”, uma imensa organização com a aglomeração das empresas Hanjin, Hapag Lloyd, Yang Ming, K Line, NYK e MOL.
Hoje, já se mostra uma missão quase impossível encontrar solução para o nosso retorno ao longo curso com linhas regulares. E estamos próximos de perder até mesmo o nosso controle e a oportunidade de nos mantermos soberanos em nosso transporte marítimo doméstico. Em um país com a nossa costa e posição geográfica, não priorizar a atenção à manutenção de nossa bandeira no transporte marítimo doméstico é lançar nossa cabotagem em cova profunda, eliminando postos de trabalho para os nossos marítimos e lançando ao infinito qualquer possibilidade de retorno à nossa navegação de longo curso.
Considerando o exemplo do caso Valemax, temos que admitir que estupidez pode não nos faltar para nos autodestruirmos. Se não fosse a nossa inquebrantável confiança no futuro e vocação para vitórias, já poderíamos esperar conhecer e viver a Marinha Mercante brasileira em museus. Neste caso, registre-se a ironia de que, até nisto, estamos deficientes.
Dito isto acima, é o caso de nos perguntarmos o que estão fazendo com os jovens atualmente cursando as escolas de formação: estão formando-os para o desemprego? Iludindo-os com discursos estéreis baseados no estímulo à competência profissional? Não se compete com a fome! Eles não são e jamais serão os marítimos desejados pelos armadores estrangeiros que mais e mais exercem influência em nosso setor! Já não eram desejados sequer pelos poucos armadores brasileiros que sobreviveram às mudanças. Estes também gostam de baixo custo e lucram com ele.
Malgrado as bobagens que lhes são ditas e os estímulos desfocados que lhes são oferecidos em palestras de representantes da armação, estes jovens precisam sobreviver em um cenário para o qual não estão sendo preparados.Fonte de artigo: Revista Unificar nº 43
Autor:Severino Almeida Filho
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