Ao longo de sua história a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aquaviário e Aéreo, na Pesca e nos Portos, CONTTMAF, tem reafirmado a luta em defesa de avanços dos direitos trabalhistas, através de uma representação sindical atuante tanto nos cenários políticos nacional e internacional, quanto nas condições laborais que permearão as lides cotidianas de seus representados. Os episódios que marcaram a história da Confederação, misturam-se com o desenvolvimento de diferentes e marcantes cenários políticos da história brasileira.
Fundada em 25 de março de 1957, a entidade foi criada com o nome de Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Marítimo, Aéreos e Fluviais. Lamentavelmente, não existem registros desse período até o ano de 1964, como salientou o Comandante Rômulo Augustus Pereira de Souza, Ex-Presidente da entidade, que presenciou momentos memoráveis da trajetória da Confederação. “Dou-me conta de ser, com grande probabilidade, uma das últimas testemunhas vivas de uma das fases marcantes do nosso órgão de cúpula sindical, no qual militei por quase dezoito anos. Contudo, nunca se soube ao certo que fatos ou eventos ocorreram na entidade, no período entre a sua fundação e a revolução de 64. Nenhuma documentação a respeito foi preservada, exceto vagas referências a um Primeiro Congresso, realizado no início da década de sessenta, no Rio de Janeiro. Ao que se supõe, confiscadas ou destruídas durante a intervenção”, revela. Com o golpe militar de 64, a Confederação, que até então era presidida pelo Coronel Mello Bastos, aviador, foi invadida e colocada sob intervenção, tendo todos os seus documentos apreendidos. A direção sindical foi afastada e teve alguns de seus representantes presos.
Após a intervenção, o marítimo Esmeraldo Barros, que pertencera à Força Expedicionária Brasileira, foi eleito, em 1965 e presidiu a entidade por dois anos. Ao fim do mandato dele, a Confederação foi despejada do edifício que ocupava, por falta de pagamento dos aluguéis. A representação sindical marítima passou a abrigar a entidade em uma sala situada ao lado do então Sindicato dos Maquinistas Motoristas.
Depois disso, o estivador Waldino Pedro dos Santos, da Estiva de Minérios do Rio de Janeiro, assumiu a presidência da Confederação. “Entre o final da década de 60 e a década de 70, a CONTTMAF ressurgiu das cinzas, passando a ter uma existência real, sede própria e atuação positiva no cenário sindical, inclusive em âmbito internacional. Nesse período a Confederação buscou transformar em um fato, a representação que possuía de direito na CLT. E, para tal, buscamos o fortalecimento das Federações filiadas e, consequentemente, seus Sindicatos de base. Não poupamos esforços para isso e a seu tempo, a meta foi atingida”, lembra Rômulo, que foi Vice-Presidente da entidade na época. O CLC presidiu a CONTTMAF de 1978 até 1986. Depois dele, o Comandante da aviação civil Aloísio Ribeiro foi eleito. Entre 1987 e 1996, o Oficial Mercante Maurício Monteiro Sant’Anna presidiu a entidade. A ratificação da Convenção 137 da OIT, que aborda as repercussões sociais dos novos métodos de manipulação de cargas nos portos, foi uma das grandes conquistas desse período.
Uma das características mais marcantes da Confederação ao longo de sua história tem sido a resistência política presente, sobretudo, nos momentos críticos, como no período ditatorial, no governo Médici. “Embora não tivéssemos ligações com movimentos de resistência, em mais de uma oportunidade, antes por dever de humanidade, ajudamos companheiros a escapar da tortura ou mesmo da morte, utilizando uma rota de fuga via Alamar-Sul, linha de navegação explorada na época por empresas particulares. Tais atividades, além de ilegais, oneravam nossos cofres sempre combalidos. Penso, todavia, que muito honraram a história da CONTTMAF, em período tão sombrio. Conduta, aliás, absolutamente impar em órgãos de cúpula sindical no Brasil, durante a ditadura – afirmo aqui, sem medo de errar”, rememora Rômulo.
Dos inúmeros episódios que marcaram a trajetória da Confederação nos anos em que a presidiu, o Comandante destaca, também, a filiação à Federação Internacional dos Trabalhadores em Transporte, em 1973: “depois de verificarmos em Genebra, naquele ano, a impossibilidade de atuarmos com proveito em eventos técnicos internacionais, solicitamos ao Ministério do Trabalho a devida autorização para nossa filiação àquele órgão. Depois de alguns meses recebemos um ofício assinado pelo consultor jurídico do Ministério do Trabalho, Marcelo Pimentel, mais tarde Ministro e Presidente do TST, negando nosso pedido de filiação à ITF. A razão era a de que nossas atividades estavam enquadradas em áreas consideradas de segurança nacional. Não eram permitidas vinculações do sindicalismo brasileiro à organismos internacionais, quaisquer que fossem suas linhas doutrinárias. No entanto, resolvemos ignorar o douto parecer e pagar nossa taxa de filiação, diretamente à ITF – sem, todavia, utilizar os canais competentes; enquanto solicitávamos a reconsideração da posição do governo”.
Um outro momento em que a ação da CONTTMAF foi marcante, ocorreu em 1978, quando da Greve Nacional dos Estivadores. O Brasil vivia em regime de exceção e as greves nos portos estavam terminantemente proibidas, por razões de “segurança nacional”. O movimento, que teve início em Santos, era em prol da manutenção do Hospital dos Estivadores e por melhores condições laborais, especialmente para os trabalhadores avulsos. Após o 5º dia da mobilização, uma junta governativa integrada pelo então Presidente da República, Ernesto Geisel, convocou a Confederação para uma reunião. Após o encontro, as reivindicações dos trabalhadores portuários foram atendidas. Um ano depois desse incidente, a Confederação coordenou um dos maiores movimentos grevistas do setor portuário já realizados em Santos, que resultou no primeiro contrato coletivo de trabalho da história daquelas categorias. As negociações para o final da greve envolveram a participação do então Ministro do Planejamento, Delfim Netto.
Um outro momento memorável da história da CONTTMAF foi a realização dos debates promovidos no Segundo Congresso da Confederação, realizado em Fortaleza, no Ceará, em 1981. Durante o encontro, centenas de lideranças sindicais e trabalhadores de todo o país aprovaram as deliberações para a criação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar, Diap. Um dos idealizadores da entidade, Ulisses Riedel de Resende era advogado trabalhista da Confederação. O projeto aprovado, era o esboço de um órgão suprapartidário, desvinculado de qualquer corrente ideológica, partidária e religiosa, comprometido, no entanto, com a defesa dos trabalhadores, emprenhando-se em bem informá-los. O Congresso significou um forte grito de alforria do movimento sindical confederativo que, desde 1964 sofria ameaças às liberdades políticas. O posicionamento de independência política, uma das características marcantes da Confederação, e a força de articulação e mobilização da entidade, seriam, também, evidenciados em episódios mais recentes.
História recente
Ordenar uma interlocução comum, consonante com as especificidades de cada segmento representado, foi um desafio abraçado pela Confederação desde o início de sua trajetória. Para o Consultor Jurídico da entidade, Edson Martins Areias, “articular ações capazes de abranger as especificidades inerentes à cada setor representado é uma das características históricas da Confederação”. No decorrer de sua história, inúmeros foram os exemplos de resistência e articulação. Entretanto, alguns episódios marcaram a história recente da entidade.
Em 2004, a CONTTMAF driblou a inércia das autoridades competentes e fez um resgate histórico, ao retirar de bordo seis tripulantes do navio de bandeira brasileira Neptunia Mediterráneo, que estava avariado na baía de Ushuaia, na Argentina. Na ocasião, a companhia armadora havia abandonado os trabalhadores, lançados à própria sorte, sem meios de comunicação a bordo, carecendo com o frio e o racionamento de alimentos e água potável. Na embarcação não havia nem um bote para evasão em caso de emergência. “A situação dos tripulantes não poderia ser pior. A temperatura local no mês de junho, época do ano em que ocorreu o resgate, chegava a dois graus negativos. A temperatura da água da baía, que fica no limite meridional do continente americano, não permite que, uma vez caído ao mar, alguém sobreviva por mais de três minutos. Além disso, esse episódio poderia ter criado um incidente diplomático entre o Brasil e a Argentina”, recorda o Consultor Jurídico, que atuou ativamente neste caso.
O Comandante do Neptunia Mediterráneo, o CLC Júlio César Matos D’Almeida, que foi o último tripulante a ser resgatado, estava no limite de condições físicas e psicológicas. A Confederação proveu todas as medidas operacionais e jurídicas para garantir a segurança dos trabalhadores brasileiros. “A CONTTMAF nos deu total apoio neste incidente. Apesar de termos vivenciado uma situação caótica, não perdemos a calma. Se não fosse a Confederação, talvez eu não tivesse saído vivo daquele navio”, lembra o tripulante.
No mesmo ano, a CONTTMAF realizou uma grande mobilização em prol da dragagem do porto de Cabedelo, na Paraíba. Na ocasião, o porto permaneceu cerca de três meses sem tráfego comercial de navios, o que prejudicou os trabalhadores portuários da região. Com a intervenção da entidade, o Ministério dos Transportes liberou verba para que os trabalhos de dragagem fossem realizados. Um outro grande movimento em favor de melhores condições laborais para os trabalhadores portuários foi realizado em 2004, quando a entidade apoiou a causa dos trabalhadores do Terminal de Contêineres do porto de Suape, em Pernambuco. A não assinatura do ACT, na ocasião, ameaçava os postos de trabalho dos cerca de 1.800 trabalhadores portuários avulsos da região. No mesmo ano, a entidade apoiou, também, um movimento de mobilização promovido em Brasília contra a então proposta de Reforma Sindical do governo federal. O ato reuniu cerca de 30 mil trabalhadores de diversos setores e segmentos em prol da unicidade sindical.
Mas não foi apenas nesses incidentes que a Confederação demonstrou força e articulação política. Em 1999, um ano depois da revisão estatuária da entidade, pela qual passou a ser incluída a representatividade de trabalhadores aquaviários e pescadores, a CONTTMAF protestou contra a Gestão Empresarial de Navios, GEN, e lutou pela não terceirização da mão-de-obra marítima pela Petrobras. O protesto foi promovido em parceria com a Federação Internacional dos Trabalhadores em Transporte, ITF – entidade da qual a Confederação é afiliada –, e teve repercussão mundial. Fora do país, a Confederação, através de sua representação permanente em Londres, na Inglaterra, participa ativamente, com proposições, da normatização dos dispositivos elaborados pela Organização Marítima Internacional, a IMO.
As ações sindicais e políticas da CONTTMAF também foram fundamentais no soerguimento da Marinha Mercante Brasileira e na busca por melhores condições de trabalho e vida marítimos. Em 1995, a entidade promoveu ações que possibilitaram a assinatura da Portaria nº 210, que trata sobre a fiscalização das normas de proteção laboral a bordo, prescritas na Convenção 147 da Organização Internacional do Trabalho, OIT. Outro marco da história recente da entidade foi a instituição em 2006 da Resolução Normativa nº 72 do Conselho Nacional de Imigração, resultante de diversos debates entre as representações dos trabalhadores, dos armadores e do governo federal. O documento, que regulamenta a chamada de tripulantes nas navegações de cabotagem e de apoio marítimo e para as embarcações e plataformas utilizadas nas atividades de pesquisa e exploração de petróleo no mar, traz a obrigatoriedade da utilização progressiva de brasileiros no setor marítimo após noventa dias de permanência das embarcações estrangeiras em águas jurisdicionais brasileiras.
No mesmo ano, a Convenção Marítima Consolidada da OIT foi aprovada. Após cinco anos de trabalhos integrados e inúmeras reuniões técnico-preparatórias, 318 delegados, assessorados por mais de oitocentos consultores técnicos de 106 países membros da OIT aprovaram o documento final aplicável aos 1,2 milhão de trabalhadores marítimos de todo o mundo. A Convenção atualizou e reuniu em um texto as determinações e as recomendações contidas em outras 68 convenções para o trabalho marítimo adotadas pela organização nos últimos 87 anos. A CONTTMAF representou os trabalhadores marítimos brasileiros nas reuniões e participou ativamente de todo o processo de consolidação dos instrumentos da OIT para o trabalho no mar. No terceiro mandato da Confederação, o então Presidente Severino Almeida ressaltou a importáncia da conquista. “A nova Convenção é um importante instrumento na defesa dos trabalhadores”, observa Severino. O líder sindical é membro da Comissão Paritária Marítima da OIT, que iniciou o processo de consolidação da Convenção única, e integrou o Grupo de Trabalho responsável pela redação do documento.
A Confederação toma parte, também, de diversos comitês, como a Comissão Permanente Nacional Aquaviária, a Comissão Paritária Marítima da Organização Internacional do Trabalho, a Comissão Tripartite sobre o Trabalho Marítimo (esta última no ámbito do Ministério do Trabalho e Emprego), a Comissão do Fundo Setorial de Transportes Aquaviários e Construção Naval – o CT Aquaviário – do Ministério da Ciência e Tecnologia e o Conselho Nacional de Aqüicultura e Pesca. A Confederação integra ainda a Cámara Setorial de Portos, Aeroportos, Fronteiras e Recintos Alfandegados, da Agência Nacional de Vigiláncia Sanitária, a Comissão Permanente Nacional Portuária, o Conselho Diretor do Fundo de Marinha Mercante e o Conselho Estadual de Meio Ambiente, do Rio de Janeiro. Recentemente, a CONTTMAF participou das reuniões de uma comissão tripartite junto à OIT, sendo a única confederação de trabalhadores a integrar a comitiva oficial brasileira naquela organização internacional.
A Confederação está entre as entidades que receberam do Ministério dos Transportes a medalha do Mérito Mauá na categoria de Serviços Relevantes, em reconhecimento pela “inestimável colaboração prestada ao desenvolvimento dos transportes no Brasil”, conforme o decreto presidencial publicado em 22 de abril de 2008. Em dezembro de 2006, o Presidente da CONTTMAF, Severino Almeida, na condição de dirigente da entidade, também recebeu a condecoração. A comenda é dividida em duas categorias: a Cruz Mauá e Serviços Relevantes. Na primeira categoria são agraciados os que participam da concretização dos objetivos previstos nos planos e programas de trabalho do setor de transportes. Na outra categoria, Serviços Relevantes ganham o prêmio aqueles que trabalham mais do que a expectativa para a expansão e o aperfeiçoamento dos transportes no país.